• SUA EXCELÊNCIA SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLIA
• SUA EXCELÊNCIA SENHOR PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL
• SUA EXCELÊNCIA SENHOR PRIMEIRO-MINISTRO
• SENHORAS E SENHORES DEPUTADOS
• SENHORAS E SENHORES MEMBROS DO GOVERNO
• SENHORAS E SENHORES COMBATENTES DA LIBERDADE DA PÁTRIA
• DISTINTAS PERSONALIDADES DAS FORÇAS VIVAS DA NAÇÃO
• MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES
Em Setembro deste ano completaram 25 anos da data em que o Parlamento cabo-verdiano, na sequência de um processo exemplar de transição para a democracia pluripartidária, aprovou uma nova Constituição - esta “Lei Maior” do nosso Estado de Direito Democrático, que tem servido de referência fundamental para dar expressão à Liberdade, para dar conteudo à participação, para dar substância à democracia e libertar as energias criadoras para a construção do País com que várias gerações deste “Povo-Ilhéu” sonharam.
Trata-se de mais uma referência de grande simbolismo para o País, pois, no dia 25 de Setembro de 1992 foi colocada a trave-mestra no marco maior de Cabo Verde, a Independência Nacional afirmada a 5 de Julho de 1975, dotando-lhe do instrumento fundamental para a afirmação plena do Estado de Direito Democrático. Foi a ratificação da independência da Nação Cabo-verdiana na sua expressão maior.
A Nação cabo-verdiana tem um trajeto, um percurso de séculos a ser construído, num encontro das ilhas, com homens e mulheres de culturas diversas, submetidos à prova de sobrevivência, enfrentando todos os tipos de adversidade - umas impostas pelos caprichos da natureza, outras esculpidads pelos desvios da mente humana, que, muitas vezes, não olha a meios para atingir os seus objectivos egoístas.
Estas duras provas a que os homens das ilhas foram submetidos são, também, responsáveis pela tenacidade, pela coragem, pelo não conformismo, pelo optimismo e pela resistência dos cabo-verdianos, e estão na base da vitória sobres os limites e constrangimentos que enfrentaram, e poderão ser a chave da viabilização deste País, outrora, improvável.
Da dificuldade se projectou a resistência, da escassez nasceu a capacidade de trabalho, dos constrangimentos surgiram oportunidades e da adversidade brotou um Homem de fé e com esperança, e, ao mesmo tempo, um batalhador irreverente e inconformado.
Todos os condimentos se entrelaçaram para dar lugar a evoluções que estruturaram, pacientemente, as grandes dimensões da cabo-verdianidade, as bases sociológicas e antropológicas da Nação cabo-verdiana. É essa identidade construída que desenvolveu o forte sentimento de pertença e de liberdade, ferramentas fundamentais que conceberam a vitoriosa luta cimentada e fortalecida pela Independência Nacional, como condição sine qua non à estruturação dos instrumentos e instituições confirmativas do Estado independente, com assento no concerto das Nações.
Na corporação do povo de Cabo Verde, enraizado no seu território, teve lugar a edificação do Estado, que pôs fim à sujeição a qualquer outro, de forma soberana. A tarefa foi ingente para um País sem recursos, que veio do abandono e martírio colonial, e que precisava de tudo - desde o atendimento de emergência à sua condição de país menos avançado, à busca paciente dos modelos que melhor pudessem corresponder à perenidade da liberdade e da soberania popular.
É nesse trajeto de evolução e estruturação de País independente, que foi dado o importante passo da democracia pluralista, para, num contexto de maior elaboração do funcionamento do Estado, ser laborado e assumido o conjunto de leis fundamentais para regerem a Nação, votado pelos representantes do povo, para regularem as relações entre os diferentes órgãos de soberania, as instituições públicas e os cidadãos individualmente e organizados.
A sociedade é o principal pressuposto da democracia, pela que a Magna Carta traça, assim, os poderes, e declara os direitos, deveres e garantias. É a lei máxima à qual todas as demais leis devem ajustar-se. Somos, sim, um Estado de Direitos consagrado e fundamentado na Constituição da República em termos de igualdade de direitos e deveres, sujeito ao princípio basilar da aplicabilidade da lei.
E a nossa Magna Carta tem, na sua natureza, um passado histórico pleno de virtudes e valores, tecidos num conjunto de factos e provas, que identificam os merecimentos das cabo-verdianas e dos cabo-verdianos, lá onde estiverem nas sete partidas do mundo, na sua maneira de ser e de estar muito própria, na universalidade de culturas e da sua condição de Nação. A Constituição da nossa República é, sim, fruto e emanação de séculos de encontros, desencontros e reencontros, e de uma vitoriosa luta libertadora nacional, que conduziu ao processo de afirmação e reconhecimento da Nação e do Estado, iniciado a 5 de Julho de 1975.
Cabo Verde é um pequeno País insular, a densidade populacional é reduzida, o clima é agreste, os recursos são escassos, a sua dependência energética é gritante e padece, ainda, de tantas outras vulnerabilidades.
Mas, é um grande País, porque ao longo dos tempos não se conformou com as fatalidades e tem sabido afirmar-se na gestão exemplar da sua soberania! Mais ainda: tem demonstrado a sua utilidade por esse mundo fora, prestando contributos, de valia, na busca de soluções para conflitos além-fronteiras.
• SENHOR PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL!
• SENHORAS E SENHORES DEPUTADOS!
Reconhecendo elevados méritos na transição democrática exemplar que ocorreu no nosso país, e em que o grande ganhador foi a vontade popular bem interpretada e assumida pelos principais protagonistas políticos da altura, é de justeza dizer que a Constituição da nossa República é o elemento instrumental fundador da nossa democracia, suporte fundamental e indispensável na regulação da nossa vida democrática.
Antecedida da Lei Constitucional nº 2/III/90, de 28 de Setembro de 1990, que institutui o princípio do pluralismo democrático e pondo, assim, fim ao regime de Partido único, em 1992 é adotada uma nova Constituição da República de Cabo Verde, dando assim lugar à IIª República.
O processo que levou à sua aprovação no Parlamento foi tumultuoso, com divergências acentuadas entre os principais Partidos com assento parlamentar, em relação aos procedimentos e com dissontonia profunda com o próprio Presidente da Republica de então, Dr. António Mascarenhas Monteiro.
Recorde-se que o mais alto Magistrado da Nação teve que proferir uma comunição ao País, explicitando a sua discordância com relação a algumas soluções encontradas, que punham em causa ou mexiam com o sistema de Governo acordado, designadamente com relação aos poderes do Presidente da República, ao mesmo tempo que justificava a promulgação da Lei Magna, estribado na preservação dos supremos interesses de Cabo Verde.
Não fosse a grande responsabilidade, o bom senso, a magnanimidade e a maturidade do Presidente Mascarenhas Monteiro estaríamos a inaugurar a maior crise política do País já no segundo ano do mandato da maioria emergida das eleições de 13 de Janeiro de 1991.
Apesar desses graves incidentes, que marcaram os meandros do surgimento da Constituição de 1992, o Povo de Cabo Verde abraçou os conteúdos, os princípios e os valores da Lei Fundamental, interiorizando-a como um instrumento consensual para orientar a caminhada de Cabo Verde, enquanto Estado de Direito Democrático.
Ela sofreu revisões em 1995, em 1999 e em 2010, introduzindo-se melhorias e adequações que significaram avanços importantes, particularmente na sua última revisão - a de 2010.
Com efeito, a Constituição das República deve, periodicamente, ser submetida à avaliação da sociedade para se introduzir os ajustamentos que, a seu tempo, se revelarem necessários à sua substância, visando um melhor cumprimento do seu papel e das suas funções de principal suporte dos equilibrios da nossa democracia, legitimando os anseios e aspirações do povo das ilhas a uma vida melhor, na Pátria que tanto amamos e desejamos cada vez mais fraterna e solidária, com mais liberdade e democracia.
Se, em 1995, as alterações foram apenas para corrigir um erro específico e para viabilizar a realização dos actos eleitorais, já em 2000 registaram-se mudanças de alguma expressão e dignas de registo, designadamente:
• A flexibilização da questão da extradição;
• A aceitação, nalgumas situações concretas, da Jurisdição Penal do Tribunal Penal Internacional;
• A abertura para a possibilidade de buscas noturnas nalgumas situações específicas e mediante mandato judicial;
• A alteração do processo de escolha e de acesso ao Supremo Tribunal da Justiça;
• Os ajustamentos relacionados com o processo de constituição e funcionamento do Conselho Superior da Magistratura Judicial;
• A criação do Tribunal de Segunda Instância;
• A alteração da célebre alínea q), do artigo 175º, que continha uma disfunção introduzida, estranhamente, em 1999;
• A ateração do carácter vinculativo do parecer do Conselho da República;
• E, ainda, a questão do número de moções de censura necessários para a queda do Governo.
Parafraseando Ferrajoli, a Constituição destina-se a garantir os direitos de todos, expressar a existência de uma homogeneidade cultural, uma identidade coletiva e a coesão social e garantir a convivência pacífica entre sujeitos e interesses, muitas vezes, diversos.
São múltiplas e complexas as funções da Constituição da República, cingindo-nos, nesta ocasião, a duas, como sejam a estruturação do modo de exercício do poder político e os limites desse exercício, e a definição dos direitos, deveres e garantias fundamentais, protegendo os cidadãos enquanto sujeitos do Estado, com base em regras de exercício do poder e impedindo o abuso ou a posição privilegiada de grupos de interesse.
Resumindo, nela estão consagradas as decisões que constituem o sistema e a forma de governo sobre o território nacional, permitindo que os cidadãos se organizem e estruturem as suas representações de interesses orientados para o bem-comum, ou então, a Constituição da República não deve estar ao serviço exclusivo de uma maioria pois, trata os iguais com igualdade, porque fundamentado em direitos e obrigações, mesmo que sujeita a limitações e regras de interpretação, como conceito de justiça.
Mais do que ter a Constituição - tão boa como a que temos - os responsáveis públicos devem engajar-se, de forma autêntica e genuína, no seu cumprimento, quer da sua letra, quer do seu espírito, para se garantir, a um tempo, tranquilidade dos cidadãos e segurança jurídica para todos os negócios públicos e privados.
Se é verdade que globalmente temos registados esforços permanentes para a realização da Constituição, também não é menos verdade que, nos últimos tempos, têm-se registado sinais preocupantes que indiciam uma nova cultura na leitura e aplicação da Lei Fundamental.
Cumprir a Constituição não é compatível com a compressão dos direitos da Oposição democrática, impedindo, por exemplo, a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, com utilização de argumentos falaciosos e insustentaveis à luz da legislação do país.
Cumprir a Constituição é incompatível com o condicionamento do acesso à informação, um direito que assiste à Oposição, que tem como contrapartida a obrigação ou o dever da Situação ou do Governo de lhe disponibilizar informação. Com efeito, a violação deste direito ou o não cumprimento deste dever têm sido cada vez mais sistemáticos e de forma indisfarçada e despudorada, escudando-se a Maioria e o Governo num hipotético segredo do negócio - só permitido a negócios pessoais ou particulares e, liminarmente, rejeitados nos negócios públicos ou de interesse público.
Cumprir a Constituição não é compatível com relacionamentos, entre os órgãos de soberania, que não sejam na base da complementaridade, da lealdade, da transparência e da boa-fé.
Cumprir a Constituição não é compatível com a limitação da liberdade dos cidadãos, com a discriminação das pessoas e com a não garantia de oportunidade a todos, de igual forma, no acesso a bens públicos.
Cumprir a Constituição não é compatível com o desconhecimento e com a noção clara dos limites e poderes de cada Órgão de Soberania.
Cumprir a Constituição implica a transparência na gestão da coisa pública e a não sonegação, ao Povo e aos seus legítimos representantes, dos contornos de negócios em que estão em jogo valores avultados e bens materiais e morais construídos com sacrifícios de todos e dos trabalhadores directamente envolvidos.
Cumprir a Constituição é garantir, de forma permanente, a qualificação dos ganhos da liberdade e da democracia, e não permitir a degradação das conquistas alcançadas com o esforço de todos, como é o caso da liberdade de imprensa, um dos factores da competitividade do país.
Cumprir a Constituição, nesta fase do nosso percurso, é incompatível com a colocação de autênticos comissários políticos a gerir alguns dos sectores públicos da Comunicação Social, com perdas claras na relação com os jornalistas e com outros profissionais da comunicação social, com discriminação dos actores políticos, com a restrição da liberdade e com a desvalorização ou mesmo descapitalização dos recursos conquistados, a duras penas, por todos.
Tanto os atropelos do Governo à Lei de Imprensa, quanto o “pontapé” de certos dirigentes à Lei da Televisão -, tão evidentes quanto grosseiros - são injustificáveis para um País que vive intensamente a sua Constitução.
Cumprir a Constituição implica uma diplomacia responsável e inteligente, que acautele os interesses do Estado de Cabo Verde na sua relação com outros Estados.
• SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA
• SENHOR PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL
• SENHOR PRIMEIRO MINISTRO
• SENHORAS E SENHORES DEPUTADOS
• CABO-VERDIANAS E CABO-VERDIANOS
A Magna Carta não é uma prescrição estática da maneira de organizar e fazer funcionar o Estado. Como a democracia, a Constituição da República é um processo em permanente amadurecimento. Tem o grande mérito de ser uma linha básica, um modelo inspirador capaz de poder absorver as adequações necessárias aos desafios impostos pelas dinâmicas do desenvolvimento económico, social, cultural e político que o país vai conhecendo no evoluir dos tempos. Como atrás vimos, ela soube absorver a satisfação de necessidades que se impunham ao seu pleno exercício.
Esta hora de celebração é propícia para dizer que, sendo a CR responsável pela estabilidade, legitimidade e coesão nacional, assente na segurança jurídica de um equilibrado ordenamento jurídico, aos titulares dos cargos políticos e à sociedade em geral, cabe refletirem sobre as alterações a introduzir na CR, através do acolhimento das novas perceções e interpretações que a sociedade coloca, com persistente legitimidade para a busca de novas soluções, sem cair em excessivas mutações que possam conduzir à insegurança jurídica.
São as importantes reformas a levar a cabo na ordenamento e funcionamento da Assembleia Nacional, no sistema de governo e no modelo de governação territorial, na democracia representativa e participativa conferindo mais e melhor democracia, nos entendimentos de regime, na celeridade da justiça e na codificação penal, em mais vez e voz ao cidadão, entre tantas outras matérias importantes para a segurança política, jurídica e social da cidadania.
• Ilustres Representantes da Nação!
• Distintas personalidades!
• Cabo-verdianas e cabo-verdianos!
Para chegarmos a esta Constituição, que nos orgulha a todos, foi necessária uma longa caminhada e uma resistência tenaz do povo cabo-verdiano que resistiu a todos os tipos de restrições e dificuldades até se chegar ao maior grau de indignação que lançou e fecundou as sementes que germinaram a luta pela libertação nacional e conduziu estas ilhas a autodeterminação e à independência.
Por isso mesmo, nunca é demais honrarmos aqueles que se entregaram de corpo e alma para escrever, com o seu suor, e até com o seu sangue, uma das mais belas páginas da história de Cabo Verde.
Sim! Estamos a falar dos nossos heroicos Combatentes da Liberdade da Pátria. Se temos um país independente que procura cumprir os desígnios que os motivaram, como sendo a liberdade, democracia e tantos outros símbolos distintivos entre eles a Constituição da República, é porque deram o melhor das suas vidas para essa bela realidade.
Termino, homenageando os Deputados da Nação que adotaram a I Constituição da nossa IIª República, tendo eles selado o contrato da Nação cabo-verdiana, com o nosso Estado de Direito Democrático, comprometido com a independência nacional e com o progresso.
VIVA A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE CABO VERDE!
VIVA CABO VERDE!