PR DO CNJF DO PAICV: “O EXERCÍCIO DE TENDÊNCIAS NO SEIO DO PARTIDO É SALUTAR, MAS TEM LIMITES"

O exercício de tendências no seio do PAICV é salutar, mas limites têm que ser encontrados para compatibilizar esse direito com os deveres dos militantes constantes nos Estatutos. O alerta parte do presidente do Conselho Nacional da Jurisdição e Fiscalização (CNJF) do PAICV, no âmbito dos preparativos das directas de 29 de Janeiro, que irão renovar a liderança, e o Congresso extraordinário de Fevereiro, no qual se elegerá os demais órgãos e se aprovará as moções de estratégia para a próxima temporada política.
 
Atendendo aos conflitos surgidos nas disputas anteriores, Ilídio Cruz lembra que «as sensibilidades expressam-se publicamente nas primárias para as escolhas dos candidatos, mas uma vez resolvida a disputa, pela expressão da vontade dos militantes, todas as sensibilidades que antes estavam em competição se unem em prol dos objectivos do Partido».
 
Na entrevista que se segue, Cruz fala ainda do processo das candidaturas, das normas que todos devem respeitar e do como o CNJF vai fiscalizar todo o processo eleitoral.
 
Entrevista: Alírio D. de Pina (A Semana on line)
-Globalmente, como vão os preparativos das Directas e do Congresso Extraordinário do PAICV agendados para o início do próximo ano?
 
As eleições foram marcadas pela sessão do Conselho Nacional de 16 de Outubro, respetivamente, para o Presidente do Partido, a 29 de Janeiro de 2017, seguida da realização do Congresso, aos 17, 18 e 19 de Fevereiro seguinte. Este é para a definição das linhas de orientação política do PAICV, a aprovação de moções de estratégia e a eleição dos órgãos nacionais que com o Presidente do Partido assumirão a responsabilidade de dirigir o PAICV nos próximos três anos, isto é, o Conselho Nacional - que por sua vez elegerá a Comissão Política Nacional, a Comissão Permanente, o Secretário-Geral e o Secretariado – e a Comissão Nacional de Jurisdição e Fiscalização (CNJF).
 
Na sequência da reunião do Conselho Nacional, a CNJF, que é o órgão estatuariamente competente em matéria de administração eleitoral para dirigir e orientar todo o processo de eleição dos órgãos nacionais do Partido, aprovou o calendário eleitoral que fixa os actos que devem ser praticados nesse processo, por quem os deve praticar, e os prazos em que devem ser. Tudo para que haja as garantias de segurança, transparência e previsibilidade compatíveis com essas eleições.
 
- Já começou a atualização da Base de dados dos militantes?
 
A Base de Dados dos militantes do Partido está já a ser actualizada por todas as estruturas regionais, num processo normal que acontece em todos os períodos eleitorais para que possa refletir o mais fidedignamente possível o universo real dos militantes; algumas estruturas regionais estão já a movimentar-se no sentido de fazerem as eleições regionais antes das directas e do Congresso, como é caso de S. Vicente e de Santiago Sul, a JPAI e a Federação Nacional das Mulheres do PAICV e espera-se que outras estruturas regionais possam aplicar a orientação do CN nesse sentido. Para isso, deverão ser encorajadas seja pela CPN, seja pelo Secretariado Nacional a quem compete assegurar a execução das deliberações e decisões dos órgãos nacionais do Partido, sendo também certo que as estruturas regionais, sem prejuízo da sua autonomia, devem aplicar as orientações emanadas dos órgãos superiores do Partido.
 
Calendário e protestos
 
-Como é que vê as datas marcadas para as eleições, tendo em conta alguma vozes em sentido contrário? 
 
Não compete à CNJF fixar as datas, mas sim ao Conselho Nacional e é nesse quadro que agimos. O calendário definido pelo Conselho Nacional prevê uma antecedência de mais 90 dias para a eleição do Presidente do Partido e de 120 dias para a realização do Congresso, o que parece ser factível. Tenhamos em conta que as eleições legislativas e presidenciais são, por força do Código Eleitoral, marcadas com um prazo mínimo de 70 dias, sendo a duração das campanhas eleitorais de 15 dias. Significa que se os prazos forem bem aproveitados pelas potenciais candidaturas, pelas estruturas do Partido a nível regional, pela JPAI e pela Federação das Mulheres do PAICV, que poderão gerar, como se espera, um movimento de redinamização do Partido interessante que culminará com essas eleições maiores, seja do Presidente do Partido, seja do Congresso. Aliás, a orientação do Conselho Nacional vai precisamente nesse sentido.
 
- Que orientações gerais foram já emitidas às diferentes estruturas do partido relativamente ao processo eleitoral?
 
Como disse acima, todos os actos que devem ser praticados, seja pelos órgãos do partido estatutariamente competentes, seja pela candidatura, constam do calendário eleitoral aprovado pela CNJF e amplamente divulgado. Todas as estruturas, os dirigentes e os militantes em geral devem se engajar para que o processo decorra na normalidade.
 
- Até quando se pode apresentar candidaturas à liderança do Partido e aos órgãos – CN e CNJF - a serem eleitos durante o Congresso?
 
Quanto às candidaturas à liderança do partido, isto é, para o cargo de presidente do partido, o prazo vai até as 18 horas do dia 14 de Janeiro do próximo ano. Quanto ao congresso, haverá um regimento e um regulamento eleitoral próprios que serão, a seu tempo, aprovados pelo Conselho Nacional e que definirão não só o processo de organização e condução dos trabalhos como da eleição dos órgãos que serão eleitos no seu seio, no caso o CN e a CNJF.
Candidaturas e critérios
 
- Que critérios devem ser respeitados na apresentação das candidaturas para os diferentes órgãos nacionais?
 
Para o cargo de Presidente do Partido, a eleição é feita com base em Moções de Estratégia de Orientação Política Nacional. Portanto, as candidaturas são apresentadas perante a CNJF, subscritas por um mínimo de 300 militantes de 2/3 dos sectores, acompanhadas da respectiva Moção de Estratégia. A ideia é fazer com que os militantes façam as suas escolhas com base no pensamento estratégico dos candidatos sobre o partido e o seu posicionamento no xadrez político cabo-verdiano, não só o que tem sido mas sobretudo o que deverá ser, e à partida, que a candidatura tenha uma base nacional. Os delegados ao congresso serão eleitos simultaneamente com os candidatos na base das respetivas moções de estratégia e de forma proporcional.
 
Teremos 413 delegados, dos quais 230 eleitos e os restantes natos. As candidaturas para os órgãos colegiais a serem eleitos no congresso deverão ser subscritos por um mínimo de 5% dos membros do órgão competente em listas concorrentes, completas e diferentes. A eleição é sempre feita por escrutínio secreto e os mandatos são apurados na base do sistema proporcional de Hondt. Para o presidente do partido, a eleição é feita com base no método maioritário. Só terão capacidade eleitoral passiva para se candidatar aos órgãos nacionais os militantes que respeitarem a inscrição de pelo menos seis meses e tenham as quotas em dia.
 
- Já se criou uma Comissão Eleitoral Nacional para gerir todo o processo?
 
Não há necessidade de se criar essa comissão ad hoc, porque, como disse acima, nos termos do n.º 3 do artigo 62º dos Estatutos, compete à CNJF dirigir e orientar o processo de eleição dos órgãos nacionais do partido, sendo esta competência extensível, com as devidas adaptações, às Comissões Regionais de Jurisdição e Fiscalização quanto à eleição dos órgãos de âmbito territorial.
 
Base de dados e quota
 
Quando vai ser concluído o trabalho da actualização da Base de Dados do partido?
 
Segundo o calendário eleitoral, esse processo decorre com as seguintes fases em todas as regiões: período de actualização do recenseamento em si, entre 15 de Novembro e 15 de Dezembro. Depois segue-se a exposição dos cadernos eleitorais para reclamação entre os dias 16 e 26 de Dezembro. A decisão sobre as reclamações é tomada até ao dia 29 de Dezembro. A partir do dia 30 de Dezembro fixa-se a Base de Dados que se mantém inalterável até ao dia das eleições. São estes os timmings que têm que ser observados.
 
-Em termos de requisitos a se cumprir, quem pode votar nas directas de 29 de Janeiro?
 
Todos os militantes podem votar desde que regularmente inscritos e constem dos cadernos eleitorais enviados pela CNJF e afixados nas sedes dos locais de voto ou outro local previamente indicado.
 
- E os membros com quota em atraso podem votar?
 
Boa pergunta! Para além de constarem dos cadernos eleitorais, diz o regulamento eleitoral que os militantes devem ter as quotas em dia. Esta foi uma disposição que foi introduzida no Regulamento eleitoral com base nas práticas avançadas de outros partidos e para se tentar criar no PAICV uma cultura de regularização das quotas, pelo menos por altura da realização das eleições. Mas isto nunca funcionou, como seguramente não funciona em nenhum outro partido em Cabo Verde. Devo acrescentar que apesar do pagamento da quota ser um dever fundamental dos militantes, os estatutos não condicionam em nenhum momento o exercício do direito de voto ao pagamento das quotas. De modo que entre a ponderação de dois interesses, o de fazer as eleições periódicas para a mais alta instância singular de direção do PAICV, prevista na “Constituição do Partido”, que são os seus estatutos, aprovados em congresso, e não fazer essas mesmas eleições ou fazê-la com um nível de participação incompatível com a importância política das mesmas por causa de uma exigência prevista no regulamento, instrumento hierarquicamente inferior, aprovado no CN, têm-se optado por suspender essa norma por altura das eleições do Presidente do Partido.
 
Conflitos e Estatutos
 
- Qual vai ser a postura a ser assumida pela CNJF para fazer todos os militantes e dirigentes respeitar as normas internas, nomeadamente os estatutos e regulamentos eleitorais?
 
Penso esta questão não se põe nestes termos. Todos os militantes e dirigentes estão cientes dos seus direitos e deveres e com certeza agirão dentro das regras estabelecidas nos estatutos e regulamentos do partido. Para tornar essas regras claras para todos e facilitar o seu conhecimento e aplicação, foi elaborado o calendário eleitoral, que se encontra publicado desde o dia 8 de Novembro, com cerca de oitenta dias de antecedência em relação às diretas.
 
A postura da CNJF será de imparcialidade e equidistância, assegurando a liberdade e a regularidade das eleições, fiscalizando as operações eleitorais, emitindo as instruções que entender convenientes e os pareceres que lhe forem solicitados sobre a interpretação e aplicação dos estatutos e regulamentos, resolver as queixas e as reclamações que lhe sejam apresentadas no âmbito do processo e por fim anunciar os resultados.
 
- Há quem critique que o CNJF tem sido muito brando com os militantes e dirigentes que vêm violando normas e princípios do partido, com destaque para o não acatamento das decisões tomadas democraticamente por órgãos nacionais, regionais e sectoriais – casos das presidenciais de 2011, autárquicas em São Filipe e recentemente os subscritores do manifesto à militante em relação à deliberação do CN que marcou directas e congresso. O que diz sobre isso?
 
Não sei se essas críticas são justas pelo menos em relação a esta CNJF que presido deste o último congresso, realizado em 2015. Portanto, não posso responder pelos membros que antecederam esta CNJF. De todo o modo, convém lembrar que o caso das presidenciais de 2011 não tinha uma dimensão somente estatutária, tinha uma dimensão política da maior relevância que, creio, foi gerida na altura da melhor forma com equilíbrio e sentido de preservação do partido e da estabilidade da governação do país. Penso que na vida das pessoas e organizações há momentos críticos que devem ser geridos com sentido de família e de colectivo, se quisermos, importando tirar as lições para o futuro e não cometer os mesmos erros.
 
Quanto às recentes eleições autárquicas em S. Filipe, independentemente do juízo de valor que cada um possa fazer e tem direito de fazer sobre a gestão do processo, a informação que temos é que todos os que integraram o grupo independente liderado pelo então Presidente da Câmara, o Dr. Luís Pires, entregaram antes o seu cartão de militante ou desvincularam-se voluntariamente. Portanto, sendo o PAICV uma organização democrática e voluntária onde as pessoas entram, no pleno exercício da sua liberdade positiva, e saem quando bem entenderem, no exercício da dimensão negativa da sua liberdade – nada tenho a dizer sobre isso do ponto de vista estatutário. Relativamente aos camaradas do Partido que subscreveram o manifesto dos militantes, também nada a dizer porque o fizeram no exercício da sua liberdade de crítica e de opinião garantidos estatutariamente.
 
O militante tem o direito de não concordar com uma deliberação e isso não é falta de respeito pela decisão do órgão competente – que se impõe a todos os militantes – mas o exercício da liberdade de discordar e exprimir. Portanto do meu ponto de vista, isso não consubstancia a violação de qualquer dever, independentemente, claro está, do juízo de valor que os militantes, os eleitores e a sociedade, em geral, fazem deste ou daquele posicionamento, que é outra coisa. Nas sociedades democráticas e nos partidos democráticos todos estamos sujeitos ao escrutínio das pessoas, a forma como cada um compatibiliza o exercício do seu direito a liberdade com o seu dever de responsabilidade é permanentemente julgada e a responsabilidade política é sempre assacada a seu tempo, seja individualmente, seja colectivamente. Esse tipo de julgamento de foro político não compete à CNJF, mas sim fazer respeitar as leis do Partido.
 
- Por que o CNJF nunca tomou uma posição firme sobre esses casos de violação do estatuto e que politicamente já custaram e vai custar caro ao PAICV?
 
Penso que já lhe respondi na pergunta anterior. Mas devo acrescentar que quando seja o caso de quebra da disciplina partidária – e só quando seja o caso - a CNJF tem competência para julgar infrações cometidas por dirigentes nacionais ou lá onde não existe órgão regional competente. Em todas as outras situações que envolvam militantes ou dirigentes regionais devem julgar em primeira instância as Comissões Regionais de Jurisdição da respectiva área do território. Mediante um processo garantístico que atenda ao direito de defesa do arguido e com recurso para a CNJF.
CNJF e tendências no PAICV
 
- A continuar assim, não se está a facilitar que tendências estatutariamente previstas se transformem num partido dentro do PAICV, pondo em causa a coesão interna?
 
O exercício de tendências no seio do Partido é salutar mas obviamente tem os seus limites e esses limites têm que ser encontrados na compatibilização prática entre o direito de tendência e os deveres dos militantes constantes dos Estatutos. Os Estatutos dizem no seu artigo 7º que o PAICV reconhece aos seus militantes o direito de se identificarem com tendências internas compatíveis com os seus objectivos e de se exprimirem publicamente nos termos da disciplina partidária. A própria norma já impõe dois limites ao exercício do direito de tendência: primeiro a compatibilidade com os objectivos do Partido e, segundo, a disciplina partidária.
 
Mas existem outras normas que devem ser chamadas à colação quando se fala dos limites ao exercício de sensibilidades internas. Desde logo a norma constante da parte final do n.º 1 do artigo 6º dos Estatutos que impõe a todos os militantes o dever de respeitar em todas as circunstâncias as decisões da maioria tomadas democraticamente nos termos estatutários. À estas normas devem ser acrescidas as outras que impõem ao militante o dever de contribuir para a unidade e a coesão internas do Partido e de guardar sigilo sobre a vida interna do Partido. Mesmo o poder do militante criticar os órgãos e as atividades dos membros do Partido previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 19º dos Estatutos tem um limite. É que essa critica seja feita no seio do Partido, portanto tem um espaço próprio estatuariamente previsto. Penso que os Estatutos garantem o exercício do direito de tendência, e uma das missões da CNJF é garantir a expressão desse direito, mas por outro lado há que compatibilizar esse direito com os limites impostos por esse mesmo estatuto.
 
É o que nós vemos lá fora em democracias mais avançadas.
 
As sensibilidades expressam-se publicamente nas primárias para as escolhas dos candidatos mas uma vez resolvida a disputa pela expressão da vontade dos militantes todas as sensibilidades que antes estavam em competição se unem em prol dos objectivos do Partido. Até as próximas eleições o espaço mais adequado para a confrontação de posições internas é no seio dos órgãos do Partido.
 
O espaço público deve ser preferencialmente usado para a tomada de posições a uma só voz sobre os problemas das pessoas e do País. É para isso que servem os Partidos e só isso interessa às pessoas. Portanto, o exercício de tendência no seio dos partidos e numa democracia jovem como a nossa, é um processo ainda em aperfeiçoamento contínuo. A própria sociedade ainda tem alguma dificuldade em ser aperceber do bem fundado do exercício do direito de tendência no seio dos Partidos. Trata-se de um exercício salutar quando feito num tempo e espaço próprios. Fora desse tempo e espaço tem obviamente custos políticos que a história recente dos partidos políticos em Cabo Verde regista. Mas como lhe digo estas questões têm uma dimensão menos jurídica e muito mais política. Competirão aos órgãos políticos e aos militantes em geral harmonizar estas questões, o que exige capacidade de liderança, de federar vontades, interiorização dos valores do Partido e humildade democrática.
 
A CNJF deve fazer a sua parte nos limites das suas competências estatutárias, emitindo os pareceres que lhe forem solicitados, resolvendo as queixas e reclamações que lhe tenham sido submetidos, mas não substituindo os restantes órgãos políticos enquanto espaço de debate privilegiados. Quanto à última parte da sua pergunta- tendência transformar-se num partido dentro do partido - devo dizer que isso não é possível. A própria organização autónoma de tendências ou a adoção de denominação própria é expressamente proibida pelos Estatutos.
 
- Ainda sobre este particular, perguntamos como pretende o CNJF fazer todos os membros respeitar as normas internas durante a preparação e realização das diretas e do Congresso Extraordinário para a eleição dos órgãos nacionais, regionais e sectoriais?
 
Como lhe disse antes, numa perspetiva mais pedagógica e persuasiva, extraindo e divulgando as normas que presidem o processo, emitindo as orientações que se impuserem, elaborando os pareceres que lhe forem solicitados e resolvendo as queixas e as reclamações que lhe sejam submetidas.
 
- Será que o CNJF, enquanto tribunal interno do PAICV, precisa de ser dotado de espaço, meios humanos e financeiros para melhor exercer o seu papel?
 
Não gosto da expressão “tribunal interno do PAICV”. Trata-se de um órgão jurídico-político que emite os seus pareceres de acordo com os Estatutos e a consciência dos seus membros, que nesse exercício devem-se afastar das querelas e paixões partidárias. A CNJF não precisa de nada disso para exercer o seu papel.
 
07 Dezembro 2016

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