História

A história do Parlamento cabo-verdiano está indissoluvelmente ligada ao processo da formação do Estado de Cabo Verde, a qual implica, desde logo, uma reflexão sobre as várias fases do constitucionalismo em Cabo Verde. Antes de mais, é de todo relevante dizer-se que a primeira denominação do parlamento cabo-verdiano – Assembleia Nacional Popular, resulta do artigo 3º da Lei Sobre a Organização Política do Estado (LOPE), atribuindo-lhe o exercício do poder soberano do Estado de Cabo Verde até à instituição da Constituição da República. Denominação essa que mais tarde viria a ser modificada.

É ponto assente que a génese do constitucionalismo Cabo-verdiano está associada ao Acordo de Lisboa de 18 de Dezembro de 1974 no qual se consagra a criação de uma Assembleia Representativa e Constituinte, com a responsabilidade de declarar a Independência e a adopção de uma Constituição. Na verdade a Assembleia foi eleita por sufrágio universal e secreto a 30 de Junho de 1975.

O primeiro acto praticado pela Assembleia eleita foi sem dúvida alguma a Proclamação da Independência Nacional, a 5 de Julho de 1975, tendo o mesmo ocorrido no Estádio da Várzea e a leitura do texto da Proclamação feita por Abílio Duarte, primeiro Presidente da Assembleia Nacional Popular. Ficou deste modo consumada a primeira tarefa imposta pelo Acordo de Lisboa. A nota dominante da Proclamação Solene da República de Cabo Verde como Nação Independente e Soberana é a consagração do PAIGC, como expressão suprema da vontade soberana do povo da Guiné-Bissau e Cabo Verde, e a caracterização da República de Cabo Verde como Estado de vocação democrática e opção anti-imperialista, onde o poder soberano é exercido no sagrado interesse das massas populares, impondo-se-lhe como objectivo primeiro o prosseguimento na luta pela libertação total do Povo e a consequente edificação duma sociedade isenta de exploração do homem pelo homem.

O segundo acto praticado pela Assembleia Constituinte, a 5 de Julho de 1975, na Cidade da Praia, foi a aprovação da Lei Sobre a Organização Política do Estado, comummente conhecida por LOPE. Contrariamente ao estipulado no Acordo de Lisboa, ou seja, a aprovação da Constituição da República, A Assembleia eleita aprovou a LOPE, atribuindo-lhe, contudo, força constitucional, mas com carácter provisório e transitório. Efectivamente a LOPE instituiu o órgão do poder do Estado e uma orgânica jurídico-política indispensáveis à governação e administração do país até que seja adoptada a Constituição da República e procedeu à eleição de uma Comissão presidida pelo Presidente da Assembleia Nacional e constituída por mais 6 Deputados, à qual é confiada a missão de elaborar e submeter à Assembleia, no prazo de 90 dias um projecto de Constituição da República de Cabo Verde. Efectivamente, os constituintes ao decidirem pela adopção da Constituição, num prazo estipulado na própria LOPE, tinham a percepção plena da importância da Lei Fundamental no processo da construção de um Estado de Direito. A LOPE criou a Assembleia Nacional Popular para, entre outros, exercer o poder do Estado Soberano de Cabo Verde, votando leis e resoluções, modificando ou anulando as medidas adoptadas pelos outros órgãos do Estado, criando também comissões de inquéritos.

Acontece que a Constituição da República de Cabo Verde só viria a ser aprovada em Setembro de 1980, após cinco anos. A nota dominante da Constituição de 1980 tem a ver com a consagração do Partido como real detentor do poder (força política dirigente da sociedade e do Estado), conferindo-lhe poderes importantes, designadamente, estabelecer as bases gerais do programa político, económico, social, cultural, de defesa e segurança do Estado e a faculdade de definir as etapas da Reconstrução Nacional e estabelecer as vias da sua realização. Por outro lado a Constituição de 1980, definiu a República de Cabo Verde como um Estado de democracia nacional revolucionária, fundado na unidade nacional e na efectiva participação popular no desempenho, controle e direcção das actividades públicas, e orientado para a construção de uma sociedade liberta da exploração do homem pelo homem.

A Constituição de 1980 foi objecto da sua primeira revisão de carácter político, na sequência do golpe de Estado na Guiné-Bissau, com consequências políticas evidentes. Na verdade a primeira revisão política da Constituição de 1980 pôs fim ao desígnio da unidade com a Guiné-Bissau e a adopção de um Partido nacional e a consequente declaração formal da extinção do Partido bi e supranacional, mantendo-se, no entanto, inalterável o modelo constitucional do Estado até à revisão de 1990 (terceira revisão).

A segunda revisão da Constituição de 1980 teve lugar em Dezembro de 1988, que ficou conhecida por revisão económica, introduziu-se alterações na parte económica da constituição a fim de permitir a abertura da economia cabo-verdiana ao investimento exterior e ao arranque da industrialização do país, na linha das orientações saídas do III Congresso do PAICV, em matéria de política económica.

A terceira e última revisão da Constituição, até a aprovação de uma nova Constituição em 1992, verificou-se em Fevereiro de 1990. Trata-se de uma revisão histórica em virtude das circunstâncias que determinaram a sua realização. É um processo, segundo o Dr. Aristides Lima, que vai de 1988 a 1990, resultado de uma reflexão sobre a mudança do regime político para um regime multipartidário e outra que se inicia em Fevereiro de 1990 e termina em Janeiro de 1991 com as primeiras eleições legislativas multipartidárias e que é dominada pela criação das condições para a realização de eleições legislativas. A terceira revisão da Constituição de 1990 abriu as portas para o multipartidarismo (formação de partidos políticos), consagrou a eleição do Presidente da República por sufrágio universal e directo e um regime semi-presidencialista. Ficaram, assim, criadas as condições adequadas para a democratização da sociedade cabo-verdiana e do poder político, devidamente consubstanciados com a realização das legislativas em Janeiro de 1991.

Após as eleições legislativas de Janeiro de 1991 e de eleições presidenciais de Fevereiro do mesmo ano, o país optou claramente para a mudança efectiva do regime político. Assim, para corporizar essa vontade do povo, foi aprovada uma nova Constituição da República, em 1992.

Considerado o marco fundacional do Estado de Direito Democrático em Cabo Verde, a Constituição de 1992 “institucionaliza o chamado parlamentarismo mitigado, incorpora um catálogo de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e o que de mais moderno existe em termos de direito constitucional com um conjunto de princípios e valores que consubstanciam um Estado de Direito Democrático”. 

Embora há que lamenta-se o facto do PAICV, enquanto Oposição na altura, ter sido impedido de apresentar a sua proposta ao Parlamento, a Constituição de 1992 assumiu claramente o princípio da soberania popular, consagrando, entre outros o seguinte:

  • Um Estado de Direito Democrático com um vasto catálogo de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
  • A concepção da dignidade da pessoa humana como valor absoluto e sobrepondo-se ao próprio Estado;
  • Um sistema de governo de equilíbrio de poderes entre os diversos órgãos de soberania, um poder judicial forte e independente;
  • Um poder local cujos titulares dos órgãos são eleitos pelas comunidades e perante elas responsabilizados;
  • Uma Administração Pública ao serviço dos cidadãos e concebida como instrumento do desenvolvimento;
  • E um sistema de garantia de defesa da Constituição próprio de um regime de democracia pluralista.

É inquestionável que o Parlamento Cabo-verdiano vem desempenhando um papel extremamente importante no processo de consolidação do regime político instituído no país. Quer isto dizer que o Parlamento como parte integrante do sistema de governo, não se limitou apenas a criar as bases constitucionais e legais para o normal funcionamento das instituições democráticas, pois, tem sido um elemento crucial no processo de transformação de Cabo Verde, sobretudo na esfera do desenvolvimento económico.

A maior parte das medidas vitais para o desenvolvimento económico do país foi, sem dúvida alguma, discutida e votada no parlamento, referimo-nos concretamente à parte substancial do processo das privatizações de empresas e bens do sector público, aos planos de desenvolvimento económico e social do país (traduzidos nas grandes opções de médio prazo), ao sistema fiscal (regime de incentivos fiscais), ao sistema financeiro e bancário, etc., etc.

Esses desafios de desenvolvimento bem como o da consolidação da democracia fizeram com que o Parlamento rapidamente se enveredasse para um processo de reforma. Efectivamente, em 1993 deu-se início ao processo da reforma do Parlamento, mais precisamente com a criação de uma Comissão Eventual de Reforma do Parlamento (a primeira), através da Resolução nº 55/IV/93. A Comissão desencadeou diversos estudos que, no geral, incidiram basicamente no seguinte:

  1. Análise dos cenários possíveis relativos à profissionalização dos deputados;
  2. Adequação do regime das sessões legislativas e do sistema de trabalhos das Comissões Especializadas;
  3. Estudos das necessidades logísticas dos Grupos Parlamentares e das Comissões Especializadas;
  4. Revisão e actualização da legislação parlamentar;
  5. Reestruturação da legislação parlamentar;
  6. Definição coerente de uma política de recursos humanos.

Estudos esses (sobre a reforma legislativa e técnico administrativa) que tiveram continuidade, na V Legislatura (a seguinte), através da criação em Maio/96 (Resolução nº19/V/96), de uma Comissão Eventual da reforma do parlamento e que culminaram, no ano de 1997, com a aprovação de um importante pacote legislativo, designadamente o Regimento da Assembleia Nacional, o Estatuto dos Deputados, a Lei Orgânica da Assembleia Nacional, e mais tarde, a aprovação do Plano de Cargos, Carreiras e Salários dos funcionários da Assembleia Nacional (PCCS, em Dezembro/01).

Salienta-se também que foi no final da V Legislatura que as Sessões ganharam periodicidade mensal, mas foi só na VI que os Grupos Parlamentares passaram a contar com um staff de pessoal (Director de Gabinete, assessores para diferentes áreas (política, económica, jurídica e de imprensa), Secretários, condutor e ajudantes de serviços gerais), permitindo-lhes trabalhar com maior celeridade e qualidade.

Durante toda a V Legislatura o Parlamento funcionou praticamente com cerca de 28 Deputados em regime de tempo inteiro, fundamentalmente para garantir o normal funcionamento das Comissões Especializadas (1º cenário apresentado pela Comissão de Reforma).

O Parlamento Cabo-Verdiano é unicameral, eleito por sufrágio universal por cinco anos e possui 72 assentos, sendo que seis deputados representam os eleitos residentes no estrangeiro (Américas, África e Europa).  

A VI Legislatura (2001-2006) que teve o seu início, em 2001, com o regresso do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) ao poder, constitui o inaugurar de uma nova etapa no modelo de funcionamento da Casa Parlamentar com emergência de uma segunda mudança estrutural em que todos os Deputados (72) passaram a exercer o mandato em regime de tempo inteiro consubstanciando, deste modo, uma grande viragem na vida do Parlamento.

Deste total, 40 faziam parte do Grupo Parlamentar do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), 30, do Movimento para a Democracia (MpD) e dois da coligação dos Partidos do Trabalho e da Solidariedade (PTS) e da Convergência Democrática (PCD).

A VII Legislatura (2006-2011) contou com 41 Deputados do PAICV, 29 do MpD e dois da União Cabo-Verdiana Independente e Democrática (UCID), regimentalmente sem força de Grupo Parlamentar por ter menos que cinco Deputados.

Composição da Assembleia Nacional de Cabo Verde
Efectivos em Julho de 2007

Partidos

Homens

Mulheres

Total

PAICV

32

9

41

MpD

25

4

29

UCID

2

0

2

TOTAL

59

13

72

Na VIII Legislatura (2011-2016) surgiu uma nova reconfiguração dos Grupos Parlamentares, fruto dos resultados obtidos pelos partidos nas eleições legislativas de 2011. Assim, dos 72 Deputados eleitos, o PAICV passou a ser representado por 38, o MpD, 32 e UCID, dois.

A Assembleia eleita em 20 de Março de 2016 iniciou a IX Legislatura, tendo os resultados oficiais do pleito eleitoral ditado a seguinte representação:

Composição da Assembleia Nacional de Cabo Verde
Efetivos em Abril de 2016

Partidos

Homens

Mulheres

Total

MpD

31

9

40

PAICV

22

7

29

UCID

2

1

3

TOTAL

55

17

72

De 1975 a esta parte, o Parlamento Cabo-Verdiano viveu diversos momentos importantes. O primeiro foi, na I Legislatura, quando se proclamou a Independência Nacional e se aprovou a LOPE (Lei de Organização Política do Estado).

Outro momento alto foi o da aprovação da I Constituição, em 1980 e, também, em 1988, quando se fez a mudança do sistema económico, a liberalização económica.

Deve-se destacar, igualmente, a revisão da Constituição, ocorrida em 1990, que permitiu consagrar o regime de democracia pluralista e competitiva, não só com a queda do Artigo 4.º, como também com a previsão de novas competências para o Parlamento, designadamente a competência para aprovar a Lei dos Partidos e o Estatuto da Oposição.

Na VII Legislatura ocorreu a mais recente Revisão Constitucional considerado, por muitos, como o maior facto histórico do Parlamento Nacional. Isto porque, pela primeira vez, tal revisão foi feita com o concurso de todos os sujeitos e partidos políticos, merecendo um consenso, quase que, generalizado. Outro aspecto importante desta revisão é que o Presidente da República vê os seus poderes reforçados, uma vez que, passa a poder, sem o condicionamento do parecer favorável do Conselho da República, dissolver o Parlamento.

A segunda fase da revisão do Código Eleitoral e a aprovação do Pacote da Justiça constituem ainda outros marcos.      

Em termos estruturais, a primeira mudança, digna de nota, aconteceu depois das eleições legislativas de 1991, pois o Parlamento passou a ter mais do que um Partido.

A segunda, ocorrida na VI Legislatura, permitiu que todos os Deputados passassem a exercer o mandato a tempo inteiro, altura em que foram feitos avultados investimentos nas novas tecnologias de informação e comunicação, designadamente Internet e Intranet.

A terceira mudança estrutural, que acarretará uma alteração do Regimento, tem a ver coma proposta de fixação de um novo modelo de funcionamento da Assembleia Nacional visando “melhorar a sua capacidade de resposta às necessidades de representação do povo, da democracia e do desenvolvimento, bem como, o desempenho dos Deputados em matéria de actividade legislativa”.

Entretanto, convém frisar que, nos últimos anos tem sido criadas condições essenciais par um melhor funcionamento dos órgãos do Parlamento, designadamente:
- Reforço do papel das Comissões Especializadas (CE) na dinâmica parlamentar, permitindo que “o Plenário se concentrasse nos grandes debates e também naquelas leis que exigiam uma maioria de dois terços, que precisavam, obrigatoriamente, de serem discutidas e votadas na especialidade, no Plenário”;
- Aprovação, em 2010, de uma Nova Lei Orgânica; 
- Realização de fóruns, seminários e conferências, em parceria com organismos nacionais e estrangeiros, em prol da formação e aperfeiçoamento dos Deputados, etc,etc;

De 1975 até agora o Parlamento Cabo-Verdiano elegeu seis Presidentes:

      aristideslima   basilioramos   jorgesantos  
Abílio Duarte
(1975 - 1991)
  Amílcar Spencer Lopes
(1991 - 1996)
  António Espírito Santo
(1996 - 2001)
   Aristides Raimundo Lima
(2001 - 2011)
  Basílio Mosso Ramos
(2011 - 2016) 
   Jorge Santos
(Atual Presidente)