JHA:“NÃO PODEMOS TER UMA INTERPRETAÇÃO QUANDO SEJA CONVENIENTE PARA A MAIORIA E OUTRA QUANDO NÃO SEJA”

Um ano de trabalho à frente da bancada do PAICV deixa Janira Hopffer Almada apreensiva e preocupada com a situação política vivida em Cabo Verde. Para a líder do maior partido da oposição as regras não têm sido aplicadas da mesma forma a MpD e ao PAICV nos trabalhos parlamentares. “Eu confesso, muitas vezes tenho-me sentido muito insegura como líder da oposição perante a forma como as regras são interpretadas pelo Presidente da Assembleia Nacional”, garante.
 
Um ano depois de este novo parlamento entrar em funções que balanço faz?
 
Estamos há um ano a exercer a deputação como oposição que pretendemos assumir com responsabilidade e de forma construtiva como já tínhamos previamente anunciado. O Parlamento tem funcionado com um grande contributo do grupo parlamentar do PAICV a nível de discussão e debate de questões de política interna, já interpelámos várias vezes o governo, estamos a promover debates e discussões, colocamos perguntas que nos são remetidas, muitas vezes, pelos cidadãos e que são constatadas muitas vezes pelas nossas visitas aos círculos [eleitorais], mas entendemos que ainda há um longo caminho a percorrer para que a nossa democracia se consolide verdadeiramente. E aqui a credibilidade das instituições é fundamental, também para o processo de desenvolvimento do país. E o que temos constatado é que a avaliação que o povo faz da magna casa parlamentar nem sempre tem sido a mais positiva. E nós, deputados, temos de estar cientes desta avaliação e ter em devida atenção o que podemos fazer, qual o contributo que devemos dar para mudar a avaliação dos cidadãos, para melhorar a performance da casa parlamentar e para contribuir para a credibilização da política e a consolidação da democracia.
 
A avaliação que as pessoas fazem do parlamento é negativa e ultimamente tem sido perceptível que os deputados, de alguma forma, acabam por bloquear a evolução dos trabalhos. Nunca houve tantas interpelações à mesa como agora…
 
Aqui temos de ter em atenção o seguinte: é preciso que a mesa da Assembleia Nacional conduza os trabalhos com escrupuloso respeito pelo Regimento da Assembleia Nacional, e pelas demais leis da República, e demonstre imparcialidade. Nem sempre é isso que temos sentido por parte do Presidente da Assembleia Nacional e temos demonstrado frontalmente mas com respeito esse nosso posicionamento. Por vezes há uma interpretação muito oportunista do Regimento por parte do senhor Presidente da Assembleia Nacional, não são salvaguardados, muitas vezes, os direitos da minoria e num Estado de direito democrático para que haja uma boa governação é fundamental que haja também uma boa oposição. Para que os direitos da maioria sejam reforçados é fundamental que sejam garantidos os direitos da minoria. E nem sempre é isso que temos constatado no Parlamento. As interpelações são consequência de uma condução, algumas vezes, indevida dos trabalhos na magna casa parlamentar. São consequência de tomadas de decisões injustas. Portanto, é importante que a figura do Presidente da Assembleia Nacional assuma uma equidistância que ainda não assumiu. O Presidente da Assembleia Nacional tem de estar acima dos interesses partidários, deve promover o equilíbrio na casa parlamentar respeitando-se, naturalmente, a representatividade mas salvaguardando os direitos de todos os deputados.
 
Ainda dentro deste tema, uma diferença que se nota em relação aos mandatos anteriores é que havia uma maior disciplina a nível dos grupos parlamentares. Não havia tantas intervenções individuais dos deputados.
 
É preciso ser-se claro. Nós para cada sessão plenária reunimos para jornadas parlamentares e para cada temática são destacados, de forma específica, deputados para defenderem as posições do grupo parlamentar. O que temos procurado sempre é que todos os deputados participem de acordo com a sua área, de acordo com o seu domínio da matéria e de acordo, também, com o seu interesse na discussão de certos temas. Da nossa parte tem sido uma opção garantirmos a participação e o uso da palavra nos debates, nas interpelações, na defesa das propostas de diplomas legais por parte de todos os deputados. Nós temos uma direcção de bancada e, normalmente, quem encerra os debates são membros dessa direcção. Mas nós temos optado por fazer a abertura com vários deputados rotativamente de acordo com o interesse, mas também o domínio da matéria de cada deputado. E aqui eu penso que é um sinal positivo, porque no Parlamento os deputados devem ter a palavra, não apenas nas perguntas ao governo, devem ter a oportunidade de participar nos períodos antes da ordem do dia, nas interpelações e nos debates, porque fazem parte da casa parlamentar. E sendo esta a casa do povo, nós entendemos que os deputados devem ter o direito à palavra. Mas permita-me acrescentar algo relativamente à questão anterior que me colocou: acredite que uma das únicas garantias da minoria é o respeito pelas regras do jogo. Eu confesso, muitas vezes tenho-me sentido muito insegura como líder da oposição perante a forma como as regras são interpretadas pelo Presidente da Assembleia Nacional. Se nós não temos a segurança de que as regras, as normas são iguais para todos, não temos um mínimo de segurança na casa parlamentar. E muitas vezes já senti isso e manifestei isso. Nós queremos cumprir as regras mas queremos que elas sejam iguais para todos. Não podemos ter uma interpretação quando seja conveniente para a maioria e outra quando não seja. Se não, não temos um Estado de direito democrático e quando o jogo democrático não está a ser respeitado o país perde.
 
Ao mesmo tempo que as pessoas fazem esta avaliação menos positiva do Parlamento também se nota uma maior actividade dos deputados nas visitas aos círculos eleitorais. Que objectivos e que resultados até agora?
 
A minha posição é clara. Ser-se deputado é servir o povo, representar o povo. Nós não podemos representar alguém com quem não estejamos em contacto permanente e contínuo. Nós não podemos servir alguém se não soubermos quais são as suas necessidades, os seus problemas, as suas expectativas. Eu sempre defendi este contacto muito próximo com o eleitorado. Faço-o enquanto deputada mas também tenho essa perspectiva de proximidade enquanto líder de partido relativamente aos militantes, em especial, e ao povo em geral. E penso que é salutar que o povo de uma ilha sinta que o seu deputado, o deputado que elegeu, está em permanente contacto com ele, escuta-o, tem em atenção as suas reivindicações, expõe os seus problemas no Parlamento para acelerar as tomadas de decisão e a resolução dos seus problemas por parte do governo. Eu penso que isso é muito positivo e a ideia é que nós tenhamos cada vez mais proximidade ao eleitorado. A ideia é que o povo confie cada vez mais no deputado, porque com o aumento do nível de confiança nos deputados, naturalmente que a imagem da casa parlamentar, na minha opinião, poderá sofrer uma mudança positiva.
 
A comissão de reforma do parlamento tomou posse. Que expectativa tem desta reforma? Vamos ter um Novo Estatuto dos Titulares de cargos políticos?
 
Eu devo dizer que as minhas expectativas em relação à reforma do parlamento são que espero que a reforma nos ajude a dignificar ainda mais a casa parlamentar, a credibilizar ainda mais o trabalho dos deputados e a ter por parte do povo uma melhor avaliação. Eu penso que as leis devem acompanhar a evolução da sociedade e o Regimento que nós temos já data de há muito tempo e é importante que sejam introduzidas alterações, inovações, sejam feitas adaptações que possam responder da melhor forma ao trabalho parlamentar neste momento, neste contexto. Portanto, eu espero, sobretudo, que tenhamos com esta reforma um parlamento que adopte a inovação para o seu trabalho, um parlamento que esteja mais próximo da população, um parlamento que responda à expectativa da população e um parlamento que seja uma peça chave na credibilização da política.
 
Relativamente ao Estatuto de Titulares de Cargos Políticos, devo dizer que o diploma que foi então apresentado e contra o qual eu me manifestei pronunciando o meu dissenso sobre várias normas, na minha opinião, tinha muitos aspectos positivos. Mas eu manifestei-me radicalmente contra algumas regalias que estavam previstas nos estatutos e mantenho essa posição. Mantenho essa posição porque penso que qualquer reforma deve ser feita de acordo com as possibilidades do país. Na altura entendi que, no contexto em que estávamos, com as dificuldades que o país estava a atravessar, não se justificava que numa única norma, num ano, houvesse um aumento do salário do Presidente da República, com as implicações que teria em vários outros sujeitos políticos, de 65%. Entendi que era absolutamente irrazoável para o contexto de Cabo Verde. Assim como entendi que havia um leque de regalias que deveriam ser reponderadas. Mostrei isso de forma clara e inequívoca na altura. Eu penso que o nível de regalias do Estatuto de Titulares de Cargos Políticos não pode estar em dissonância com as possibilidades do país. Estando na situação ou na oposição eu mantenho a coerência daquilo que defendi: reformas sim, para defender o país, para desenvolver Cabo Verde mas tendo em consideração as capacidades reais de Cabo Verde e tendo em devida consideração a percepção ou a opinião da sociedade.
 
Não era justa e merecida uma actualização dos salários de todos os titulares de cargos políticos?
 
Não lhe vou responder a isso porque acho que não me devo antecipar ao trabalho da comissão. Até por uma questão de respeito. Mas convenhamos que 65% numa única vez, penso que é quase unânime ser um aumento muito grande. Sobretudo num contexto em que nós assumimos de forma clara que não era possível fazer certos aumentos salariais. 
Fonte: Expresso das Ilhas 

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