DEBATE SOBRE A SITUAÇÃO DO SECTOR PÚBLICO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL

 
No Estado de direito democrático, o debate sobre o sector da comunicação é sempre pertinente e importante, para avaliarmos o caminho feito, o caminho a fazer e sobretudo corrigir os erros e excessos que porventura possam acontecer ao longo do caminho. Em Cabo Verde, ao longo dos anos, temos conseguido vários ganhos em termo de comunicação social livre e pujante, tornando a liberdade de Imprensa fator de competitividade a nível interno e internacional. Os vários rankings em que a imprensa nacional tem destacado falam por si, onde sempre estamos colocados no pódio e quase sempre liderando em matérias de liberdade de imprensa na África, nos Palop’s e até na CPLP.  
 
O Debate sobre a comunicação social neste momento no Parlamento faz todo o sentido, uma vez que estamos a completar 1 ano da governação do MPD e vários são os sinais que indiciam acções no sentido de atropelo a Liberdade de Imprensa e ao estatuído nos artigos 48º e 60º da Constituição da República. E a nossa preocupação aumenta cada vez mais, porque o caminho feito e os ganhos que a classe conseguiu na arena nacional e internacional da Comunicação Social não podem, de forma alguma, ser confundido com a perspetiva de direcionismo estribado na velha máxima de quero, posso e mando.
 
A nossa preocupação com o cumprimento dos princípios e normas que enformam o conteúdo e a prática da liberdade de Imprensa ainda é maior quando começamos a ver sinais deste governo que nos trazem à memória fantasmas, que julgávamos exorcizados, de práticas do passado recente, onde o MPD, enquanto governo, interferia de forma aberta e descarada nos órgãos públicos de Comunicação Social.
 
Todos ainda se lembram quando os jornalistas tinham assessores nos estúdios e na redação, quando várias manifestações não foram cobertas, incluindo as manifestações de partidos políticos, quando, em 2001, a campanha eleitoral não teve cobertura da televisão, quando jornalistas foram perseguidos e despedidos, quando programas de debate foram liminarmente banidos dos microfones da rádio e da televisão, quando, até antigos dirigentes do partido no poder, denunciavam a intenção do MPD na altura de sequestrar a comunicação social.
 
Senhor Presidente, desde que o Governo assumiu as suas funções temos assistido um atentado à liberdade de Imprensa, consubstanciadas em ação concreta por parte do Ministro que Tutela a Comunicação Social, ferindo a Constituição, as normas ordinárias referente á Comunicação Social e pondo em causa um dos pilares centrais do sistema democrático cabo-verdiano que é comunicação Social Libre e Independente. Vejamos os factos:
 
1 – Na altura das eleições autárquicas, o governo na pessoa do Ministro que tutela a Comunicação Social disse que já começou a cortar os vícios. Até os dias de hoje ele não apontou os vícios cortados e quem eram os viciados, porque o grupo Parlamentar do PAICV pensa que na Comunicação Social em Cabo Verde não há nem vícios quanto mais profissionais viciados. Pensamos também que certos adjetivos não devem entrar no novo modelo de negócios que o governo pretende introduzir na Comunicação Social.
 
2 – No dia 28 de Fevereiro, dia de carnaval, o governo na pessoa do Ministro que tutela a comunicação Social, faz a declaração de integração ou da fusão da RTC no MCIC com o seguinte juramento: “O Outro lado do MCIC: RTC Canal público de Comunicação Social! Estamos prontos para levar a todos os cabo-verdianos o grande desfile de Carnaval em directo de Mindelo, garantimos também cobertura com reportagens em todos os outros Municípios! 
 
Nesta declaração que anuncia a fusão, temos que destacar os termos que o governo na pessoa do Ministro utiliza, “estamos prontos, garantimos também”, ou seja sempre na 1ª pessoa do plural, nós. O Governo esquece que a tutela que detém não é de direção, ao mesmo tempo que viola completamente a Constituição e as leis da República que regulam o Funcionamento da Comunicação social.
 
Esta afirmação do governo e do governante, causou perplexidade e espanto dos profissionais de Comunicação Social, da Sociedade, das organizações da sociedade civil, do Presidente da República, do Governo, das instituições nacionais e internacionais, do grupo parlamentar do PAICV, do Grupo Parlamentar do MPD e dos deputados da UCID. Enfim, causou preocupação de toda a nação. Mas, o que nos preocupa é a forma ditatorial como o governo reagiu a posição dos jornalistas, que em uníssono levantaram a voz contra a declaração do ministro nas redes sociais. A reação fazia-se sentir da seguinte forma: “o ministro da Cultura e Indústrias Criativas considera ser da sua competência dar orientações diretas para a formatação dos conteúdos dos órgãos públicos e supervisionar o trabalho dos profissionais, como se pode constatar pela leitura do post publicado no dia 1 de Março”. O agravante do Post do Ministro é o facto de ser acompanhado de um conjunto de fotografias que demonstram o governante a supervisionar o trabalho dos Jornalistas (uma verdadeira atitude de capataz).
 
Senhor Presidente, Senhores membros do Governos, colegas deputados,
 
O Atentado ao Estatuído no artigo 60º da Constituição, veio a ser visível quando uma jornalista conceituada da Comunicação Social em Cabo Verde contrariou a posição do Ministro, ele respondeu com o seguinte texto, “muito clarividente”, usando, mais uma vez as palavras do próprio governante na altura da audição parlamentar, eis o texto de réplica do governo e do governante: “A RTC é uma Empresa Pública de Comunicação Social. O Jornalismo e a informação são apenas uma parte muito pequena desse negócio. Os conteúdos são tão essenciais a um canal público como a informação.
 
Durante anos a RTC esteve condicionada aos pré- preconceitos ligados à intervenção da tutela. Isso mudou. A RTC mudou. No jornalismo e qualidade do jornalismo/informação ninguém mete, mas no modelo de negócio da empresa as linhas diretrizes são claras: criar conteúdos, internacionalizar a marca Cabo Verde, internacionalizar os criadores e os produtos cabo-verdianos. É nisso que estamos a trabalhar afincadamente.
 
Mais adiante ainda continuou o Ministro “Sob a tutela do MCIC a RTC vai cumprir o seu verdadeiro desígnio de servir Cabo Verde e o novo modelo de negócio da empresa visa transformar a RTC numa empresa moderna, eficiente e capaz de produzir e difundir conteúdos diversificados. A nossa visão é claramente empresarial e de futuro.
 
É normal a resistência a mudanças, mas creio que a nova geração de jornalistas que brevemente entrará no mercado saberá compreender e acompanhar melhor os novos tempos da empresa, fazendo também um trabalho de qualidade e totalmente independente como os jornalistas a sério sempre fazem. O futuro é dos que inovam e nunca dos conservadores.”
 
3 – Desta atitude grosseira e atentatória à Liberdade de Imprensa tivemos vários posicionamentos que convém trazer á reflexão na casa parlamentar. A classe que representa os Jornalistas a AJOC, prontamente posicionou-se contra esta visão do governo e contra a tentativa de impor um novo modelo de negócios à RTC. O posicionamento da Classe foi o seguinte: “De acordo com a legislação cabo-verdiana, ao Ministro que tutela o sector da Comunicação social incumbe, definir as políticas para o sector, nomear o Conselho de Administração da empresa e estabelecer as metas gerais de cumprimento do Serviço Público e garantir as condições para que este serviço público seja observado. Para isso, está definida ainda a assinatura de um Contrato de Concessão que estabelece quais os serviços a serem prestados e as contrapartidas que o Estado deve dar à concessionária pelo cumprimento dessas tarefas. Neste modelo, não há espaço para que o Ministro venha chamar a si a prerrogativa de implementar modelos de negócio nem decidir que conteúdos devem ser emitidos. Nem para se apoucar a verdadeira missão da RTC. (…) Outra grave incongruência é o facto de o governante entender que a TCV é parte do seu ministério, em vez de um órgão público independente como consagram os estatutos da estação e da empresa de que é pertença, além de toda a legislação referente aos meios públicos de Comunicação Social.”
 
Senhor Presidente, a classe dos Jornalistas de Cabo Verde disse ainda: “ A Direcção da AJOC vem por esta via repudiar mais esta tentativa, por parte do Ministro Abraão Vicente, de instrumentalização do sector público de Comunicação Social cabo-verdiana, e pedir as autoridades competentes e que atuam na defesa dos direitos, liberdades e garantias estatuídos na Constituição da República, que ponham cobro a esta atitude de permanente confrontação, desrespeito pela classe jornalística, violação de princípios constitucionalmente e legalmente consagrados, ameaças veladas e diretas, tentativas de desestabilização, assédio moral e apoucamento dos profissionais do jornalismo cabo-verdiano, que o Ministro Abraão Vicente vem demonstrando desde que assumiu o cargo que dá a prerrogativa de tutela administrativa, repetimos, administrativa do Sector”. 
 
O Grupo Parlamentar do PAICV e a sociedade cabo-verdiana não entendem como é que em pouco tempo de governação, o Sector de comunicação Social esteja sujeito a estes atentados, depois de tantos ganhos conseguidos. 
 
O Governo de facto, a duas vozes, tentou posicionar-se sobre esta questão.
 
Primeiro, pela voz do Ministro dos Assuntos Parlamentares, demarcando-se da posição do titular da pasta de comunicação. Recorde-se que o Ministro dos Assuntos Parlamentares, disse claramente e passo a citar: “o Governo acredita no trabalho dos jornalistas”, ressaltando que “temos um país que respeita a liberdade de imprensa e na liberdade de expressão”.
 
O governante lembrou que a tutela da comunicação “não é uma tutela de direcção, mas sim de promoção de uma comunicação cada vez mais livre e mais autónomo e é neste domínio que o Governo quer nos foquemos todos. O Governo “está empenhado” em ter uma imprensa “cada vez mais livre”, que “sirva os interesses dos cidadãos e uma comunicação social ao serviço do interesse público. O Governo vai manter o rumo de uma comunicação social transparente, independente, autónoma.” 
 
Segundo, pela voz do Primeiro-ministro que deixou, ou quis deixar, apenas um recado ao seu Ministro quando reafirmou a defesa, pelo Governo, dos princípios da independência e da liberdade da comunicação, entretanto alvos de violação despudorada pelo Senhor Ministro Abrão Vicente. 
 
De salientar que a situação foi tão grave que mereceu a intervenção da ARC – Agência reguladora da comunicação Social. O Grupo parlamentar do PAICV reitera aqui o seu firme engajamento e a total confiança nos trabalhos que a ARC tem feitos desde a sua eleição. 
 
No comunicado da ARC temos que destacar alguns pontos: “ A ARC considera que o pronunciamento público daquele governante, por si só não constitui facto consumado de interferência política na gestão do operador público em causa” e Continua: “ A ARC vai fazer as diligências junto do Conselho de Administração da RTC e das direções da TCV e da RCV, pra averiguar e esclarecer se, em alguma circunstância, terá havido tentativa de intromissão política.” A ARC vai muito mais longe, acreditando nos jornalistas e nos profissionais de comunicação, tratando a todos como profissionais sérios, competente, bem formada, esclarecida e ciosos dos seus compromissos, nunca tratando os profissionais de comunicação social como sendo conservadores.
 
Senhor Presidente, com este debate, o GPPAICV pretende, de forma activa e preventiva, afastar todas as tentações de governamentalização, de manipulação ou de instrumentalização dos órgãos da Comunicação Social. Gostaríamos de alertar e reafirmar à Nação e à classe que labora arduamente com o intuito de levar a notícia e a informação às nossas casas, que podem contar com o PAICV nesta luta para impedir esta investida peregrina deste governo que tem em mente uma fantasia e uma ilusão de, em pleno século XXI, tentar domar a imprensa e a comunicação social livre, para os constituir numa comunicação dócil e ao serviço do executivo.
 
4 – Senhor Presidente queremos alertar a Nação para a gravidade da afirmação do Ministro quando chamou de irresponsáveis os Jornalistas que se manifestaram determinados a usar todas as formas de luta inclusive a queixa a organismos internacionais. Trata-se de mais uma afirmação gratuita.
 
Na audição Parlamentar o Senhor Ministro fugiu a todas as suas responsabilidades, praticamente decidindo, com o apoio da maioria, o que responder e o que não responder mas aqui queremos ver se terá a coragem de fugir às perguntas ou de dar o dito pelo não dito ou, se calhar, o escrito pelo não escrito. 
 
Numa saída de pura vitimização disse: “com este meu Post tive que dar explicações a organismos internacionais, nacional, ao primeiro-Ministro, ao governo, ao grupo parlamentar que suporta o governo, à Assembleia Nacional agora nesta audição, e mais complicado é ter que diariamente estar a explicar ao meu filho de 9 anos toda essa polémica e no fundo sou um homem que também quando vai para casa precisa de dormir.” Aqui, diríamos nós que num acto repentino de lucidez o Ministro quase que reconheceu, mesmo sem querer, que ultrapassou dos limites e foi longe demais. 
 
Para lhe refrescar a memória recomendaríamos que revisitasse o seu post e lesse com muita atenção o que escreveu. Pode nos dizer até que a sua página do Facebook foi bloqueada e que não guardou nenhum rascunho mas garanto-lhe, pelo sim, pelo não, trouxe uma cópia para o caso de se verificar esta situação. 
 
Mas senhor Ministro, com toda a sinceridade não acha que pegou pesado quando afirmou que “É normal a resistência a mudanças, mas creio que a nova geração de jornalistas que brevemente entrará no mercado saberá compreender e acompanhar melhor os novos tempos da empresa, fazendo também um trabalho de qualidade e totalmente independente como os jornalistas a sério sempre fazem. O futuro é dos que inovam e nunca dos conservadores.” Senhor Ministro disse isso ou não disse? Será que queria dizer outra coisa e saiu-lhe isso? Ou será ainda que todo o mundo está errado e não compreendeu o que vossa excelência realmente disse? Neste caso, há-de convir connosco, que está orgulhosamente só.
 
Para terminar, gostaríamos de dizer o seguinte: 
 
Aos jornalistas, este Parlamento deve garantir sempre e, em quaisquer circunstâncias, os direitos e liberdades fundamentais, entre os quais se encontra a liberdade de expressão e de criação, bem como a garantia de independência. E o Governo, que pela voz de um Governante, quis conspurcar tais princípios deve ter a hombridade de pedir desculpas ao País e a coragem política de arrepiar caminho porque, em pleno século XXI, tais práticas, tais atitudes, já não fazem falta à Democracia e ao Estado de Direito.
 
Muito Obrigado!
 
Deputado - José Manuel Sanches
27 De Março de 2017

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