No passado dia 11 de Dezembro a Nação Caboverdiana assistiu ao momento em que a morna era inscrita pela instância internacional competente, a UNESCO, como património cultural imaterial da humanidade.
A notícia confirmou e selou expectativas alimentadas pelo todo da Nação Caboverdiana.
Esta sentiu-se altamente moralizada, revista na sua autoestima, empolgada e unida em seus alicerces e fundamentos.
Bem-haja Cabo Verde.
Bem-haja toda a Nação.
Bem-haja o Governo de Cabo Verde.
Bem hajam todos quanto tecnicamente e politicamente estiveram envolvidos na concretização deste desiderato.
O PAICV, Partido nacionalista, regozija-se com o acontecimento.
Faz coro com a Nação, com a consciência, pulsares e sentires nacionais.
Empolga-se com os Caboverdianos, tanto residentes ilhéus como os que se encontram espalhados pelas sete partidas do mundo.
A morna projeta-se, assim, no exterior como acaba de acontecer com os novos estatutos adquiridos
Todavia, a base e o ponto de partida consiste naquilo que ela, em formato de poema, música e sustentação numa língua, vem significando para o Caboverdiano, residente ilhéu ou diasporizado.
O Caboverdiano nasceu já global, passou por vicissitudes da escravatura sofrida, culturalmente miscigenado à nascença, progressivamente assumiu rédeas da sua realidade social e cultural, e mesmo que politicamente não independente em certos períodos, o Caboverdiano manifestou ao longo dos tempos vontade e apetência para se reger a si mesmo e comandar seus destinos.
Daí que, no expressivo dizer de Gabriel Mariano, tenha o mulato criado o seu próprio mundo, em parte como resultado da sua passagem e ascensão do funco ao sobrado.
Nestas correntezas e dinâmicas em momento ainda não totalmente esclarecido, em termos de timing, foi o cabo-verdiano capaz de produzir uma música com as características anímicas e técnicas da morna, ele que já produzira uma língua, a língua que maioritariamente sustenta as criações mornísticas.
Se em Cabo Verde se vive em crioulo, na expressão do escritor brasileiro Jorge Amado de passagem por Cabo Verde nos anos 80 do século XX, caso será para se dizer conclusivamente que em Cabo Verde se vive a morna, a morna é o quotidiano, a morna é uma das almas do povo das ilhas.
Ela dá forma à vida do cabo-verdiano já ao nascer.
Encontra-se presente na hora dos definitivos adeus em partidas deste mundo.
E no período intermitente da vida entre nascimento e morte, temo-la consagrando o canto do amor, do enaltecer a pessoa amada, em lirismos de beleza extrema capaz de tocar qualquer sensibilidade cultural à face da terra, fazer-se aceitar, amar, desejar, envolver, reconhecer como realidade cultural com que se possa dialogar em universalidade.
Daí que mesmo sem perceber uma única palavra no crioulo das nossas ilhas, a nossa morna conseguiu feitos de penetração e acumulação de apreços, dir-se-iam, universais.
A Morna consubstancia nossas vivências, reproduz a dor para vencer o próprio sofrimento, elabora reflexões, exprime revoltas, idealiza soluções, dá corpo a expressões as mais variadas idiossincrasias das nossas ilhas, alcandora-se no patamar das mais elevadas capacidades expressivas.
Cabo Verde é, sim, uma música, mas não uma música qualquer.
Cabo Verde é morna.
Digo isso sem desprimor para as demais expressões ou géneros, que têm condições para um dia, quem sabe, virem também a ser reconhecidos no mesmo pedestal e na galeria do reconhecimento patrimonial universal.
Na verdade, Cabo Verde apenas sai ganhando se a sua realidade cultural for de facto polifacetada, de várias cores, ritmos e timbres, rica, nas sínteses culturais operadas ao longo dos nossos percursos.
Mas a Morna resume as nossas vidas, nunca sendo expressão de sentimentos vazios, inócuos ou estéreis, para abarcar antes e dar sonoridades expressivas ao conjunto de nossas vidas.
A morna compendia todo o nosso processo histórico, mesmo que o seu surgimento não tenha ocorrido tão cedo na história das ilhas.
Por tudo aquilo que ao longo dos tempos Cabo Verde tem proporcionado à História Universal, da Cidade Velha aos nossos dias, acreditamos que a UNESCO procedeu a um ACTO DE JUSTIÇA.
O Grupo Parlamentar do PAICV endereça aos criadores musicais como intérpretes, um justíssimo reconhecimento, e de modo especial a todos àqueles que com mérito têm divulgado Cabo Verde e o têm feito considerar, respeitar e amar.
Dentre todos, seja-nos permitido referir memórias do Bana, da Cesária Évora e do Ildo Lobo. Sem desprimor por tantas outras vozes notáveis que nos dão voz e tanto nos orgulham nas cenas internacionais, após galvanizarem o espírito das ilhas e lhe incutirem oxigénio para a existência.
Senhor Presidente, Colegas Deputados: A morna encontra-se já efetivamente inscrita na nova qualidade que vimos considerando.
Entretanto, uma pertinente questão neste momento se coloca:
O que deverá acontecer a partir de agora?
Entramos num domínio que deveria concitar tudo e todos em torno de uma causa nacional.
O PAICV é um Partido de causas.
O PAICV está e estará com todos quantos estabeleçam agendas bem comprometidas com investigações aturadas em processos de preservação e divulgação da morna.
Defendemos que para além do fortalecimento dos compositores e interpretes, deve-se também fazer uma forte aposta nas instituições vocacionadas para a investigação académica, como também nos investigadores que não estando necessariamente integrados em instituições ou sistemas académicos, podem por iniciativa própria de lavra cidadã, dar um valioso contributo à causa da morna.
Em matéria tão identitária destas ilhas de sonhos e de magias, ilhas que deixam marcas em todos aqueles que por aqui passam, entendemos que é no terreno do ensino que podermos encontrar as respostas sobre O QUE FAZER e COMO PROCEDER.
Sr. Presidente
Sras. E Srs. Deputados:
Permita-me para terminar, dirigir uma palavra especial a ilha onde eu nasci
Boa Vista nha terra, o berço da morna.
Faço a partir desta tribuna uma justa homenagem as antigas e as novas cantadeiras, aos trovadores-compositores e aos exímios tocadores do violão da ilha da Boa Vista.
Foram esses homens e mulheres da Boa Vista, que na simplicidade do lamento da sua atividade coletiva quotidiana, como a pastorícia, a lavoura, a apanha do sal, da urzela e da semente de purgueira, a apanha da água nas ribeiras e nas fontes, que criaram a morna e a sua herança perpetuará nos tempos.
Termino estas despretensiosas considerações talqualmente tinha começado, conclamando o nosso regozijo, felicitando o todo da Nação e almejando que a conquista signifique compromissos novos, assumidos com espírito novo e atitudes novas, tudo A BEM DA NAÇÃO.
TENHO DITO. Muito obrigado.
Palácio da Assembleia Nacional, aos 18 dias de dezembro de 2019
Walter Évora – Deputado da Nação eleito pelo Círculo Eleitoral da Boa Vista