O Governo parece não conseguir acertar em uma, quando trata as questões ligadas ao sector da Comunicação Social.
Ou é azar a mais ou estamos perante uma atitude deliberada e intencional de gerar conflitos para manter em tensão permanente os profissionais dos diversos órgãos de comunicação social, criando instabilidade emocional e abrindo espaços para a governamentalização dos órgãos e a manipulação dos seus profissionais.
Desde cedo os sinais foram claros no sector público com o acantonamento de alguns profissionais e com a eliminação ou substituição de alguns programas considerados incómodos ou impertinentes.
Depois passou-se para a fase do estrelato do Ministro da tutela que quis substituir os jornalistas, chegando mesmo a apelidá-los de incompetentes e impreparados.
Ensaiou-se, de seguida, um código de ética que, dado à pronta e enérgica reação dos jornalistas e de alguns sectores da sociedade, foi engavetado.
E, mais recentemente, avançou-se para a aprovação, em sede do Conselho dos Ministros, de um plano estratégico, sem ouvir ninguém e sem consultar a classe e os seus órgãos representativos.
Como os jornalistas voltaram à carga com mais uma reação contra o cabresto ou o “barbitxe” que o executivo tenta lhes impor, voltou-se ao baú para ressuscitar o moribundo código para fazer calar os incómodos profissionais da imprensa livre.
O código de ética e de conduta aprovado pelo CA da RTC é um atentado sem precedentes à liberdade de expressão e de imprensa e um autêntico atropelo aos direitos, liberdades e garantias dos profissionais da imprensa.
Contra tudo e todos, à viva força, o Governo e o seu Conselho de Administração tentam, desta forma, amedrontar e silenciar os jornalistas com objetivos claros de ter uma imprensa dócil e manipulável.
Não se pode perder de vista que a Autoridade Reguladora para a Comunicação Social, a ARC já se tinha posicionado contra este malfadado documento e que veio a ser secundado pela Federação dos Jornalistas de Língua Portuguesa que também, veio recentemente dar a cara para repudiar o código, que considera inaceitável num Estado de Direito Democrático.
Todos deverão estar lembrados que, em finais de maio de 2018, a ARC alertou o Conselho de Administração para o fato dos jornalistas regerem-se por um Estatuto próprio e por um código de ética adotado pela própria classe e que qualquer outro tipo de Código que venha a ser aprovado deveria cingir-se às normas já existentes.
Outras vozes autorizadas como a AJOC e os Conselhos de redação da RCV e da TCV também se fizeram ouvir, pondo em causa este Código, mas feitos surdo e cego, numa pura birra com a classe dos jornalistas, a administração e a assembleia geral da RTC aprovaram este polémico e conflituoso documento que claramente põe em causa as conquistas conseguidas durante décadas pelos profissionais e pelo próprio país.
Não nos espanta que assim seja: Para quem mantém em funções um diretor que comprovadamente censurou um jornalista da televisão, o que poderíamos esperar?
É um dado assente que a censura é um ato a todos os títulos condenável, já que é a mais profunda forma de cerceamento da liberdade de imprensa, mas para esta maioria e seus acólitos, isto é entendido como sinal de vitalidade democrática.
Com este Código quer se transformar os profissionais do sector público da comunicação social em meros objetos sem direito a liberdade de expressão garantida a qualquer cidadão e consagrada na própria Constituição da República.
Pode-se concluir até que se quer condicionar a liberdade de criação quando se restringe, até ao limite, a expressão fora do colete de forças que se quer impor.
Para quem tenha boa memória e assistiu aquilo que se passou na década de 90, em que sindicalistas foram presos, jornalistas despedidos e processados judicialmente pelo Governo de então, certamente não ficará espantado com esta reedição dos atropelos à liberdade dos jornalistas.
Todos estão ainda lembrados dos famosos assessores brasileiros contratados pelo Governo em 2000, que de dia andavam pelos lados da RTC e à noite no gabinete de campanha do MPD – tudo às custas do erário público.
Agora, inventaram uma nova forma de travar e silenciar as vozes críticas e incómodas com códigos de silêncio, censura expressa e descarada, sufoco financeiro à imprensa privada, protocolos absurdos entre INE e Inforpress que não visa outra coisa senão manipular a opinião pública e branquear os desmandos da maioria.
O desnorte do Governo é tanto que num dia desmantela soluções credíveis para a imprensa e noutro anuncia as mesmas medidas dantes desprezadas.
Senão vejamos: o Governo encontrou uma linha de crédito, a fundo perdido, para as rádios comunitárias de 500.000$00 para cada rádio/ ano. Suspendeu a medida e agora, quase 3 anos depois, anunciou fundo para apoiar essas mesmas rádios.
O Governo encontrou um fundo de apoio ao desenvolvimento da comunicação social (aprovado pela resolução 81/2015, de 19 de agosto), devidamente regulamentado (despacho conjunto de 11 de dezembro do mesmo ano) que contava com 10% das receitas do Fundo Universal da Sociedade de Informação à comunicação social, mas simplesmente não acionou este mecanismo de financiamento ao setor e aos privados. Agora anuncia estatuto de utilidade pública quando, sabe muito bem, que nos termos da lei atual, os benefícios são quase nulos para as empresas que operam neste ramo.
Há quase dois anos, o primeiro ministro anunciava o aumento dos incentivos à imprensa privada de 13 mil contos para 15 mil contos e, na verdade, este aumento ficou só no verbo que não chegou a ser conjugado. O montante não aparece nos mapas do orçamento do Estado, mas o mais grave é que na prática o governo diminuiu esta verba.
Facilmente poderá ser comprovado que o montante disponibilizado em 2018 é de pouco mais de 10.000 contos sendo 8.117.000 para os jornais em suporte papel e 2.180.000 para os digitais ou online.
Desde já ficam desafiados o ministro da cultura e o ministro das finanças a dizer nesta casa parlamentar se é ou não verdade. Enquanto isso, temos órgãos a passarem por dificuldades e sufoco. Mas o que interessa ao Governo é manter as vozes críticas da imprensa devidamente condicionadas, para poder orquestrar a manipulação informativa e da opinião pública, e encobrir os desmandos e descasos governativos.
O Governo encontrou uma reforma a meio percurso que visava uma nova forma de nomeação dos Conselhos de Administração e da a escolha dos diretores e dos delegados através de concurso interno e simplesmente resolveu fazer tábua rasa a esta ideia.
Agora vem anunciar nova reestruturação, sem consultar a classe, sem ouvir os profissionais, sem pedir parecer dos sindicatos e sem pedir parecer ou pronunciamento da Autoridade Reguladora do setor.
Tudo no segredo dos Deuses e na sagrada consagração do palácio da Várzea onde o diploma foi abençoado, mas ainda resguardado de outros olhares para não haver nem críticas e, muito menos, sugestões.
Tudo que se conhece são as afirmações/confissões do Ministro em como o documento final ainda será entregue pelo consultor! Mas onde já se viu aprovar um documento estratégico e só depois vir receber a versão final?
Neste particular o Governo há de convir connosco que isso roça o ridículo e aproxima do ultrajante para o próprio Governo que o aprovou. Pode se considerar que estamos perante um autêntico atestado de incompetência que o Governo passou a sua própria cabeça com esta inadvertida invenção.
Nós acreditamos que estamos a tempo de acertar o passo e corrigir a pontaria para continuarmos a caminhada ascendente que temos vindo a fazer em prol da liberdade de imprensa e da edificação de uma democracia consolidada.
Estamos a tempo de baralhar tudo e iniciar uma discussão séria, envolvendo os jornalistas, todos os profissionais da comunicação social, a sociedade e, porque não, as organizações da sociedade civil e política para se encontrar uma solução que sirva os interesses dos profissionais e do próprio país.
Os ganhos e as conquistas democráticas não podem ser comprometidos por atitudes não amadurecidas, pouco refletidas e pretensões e objetivos pouco claros e com interesses que escondem outras agendas não partilhadas.
Podem dizer, como têm dito, que somos contra tudo que o Governo quer fazer, mas os cabo-verdianos sabem que o PAICV está a cumprir o seu papel de oposição democrática e responsável, posicionando-se claramente contra as decisões que violam a Constituição e prejudicam Cabo Verde, as suas organizações e os seus interesses.
Praia, 28 de Fevereiro de 2019
Rui Semedo