O Grupo Parlamentar do PAICV, por diversas vezes tem interpelado o Governo sobre a politica de transportes aéreos e marítimos inter-ilhas.
Era, na altura, nossa profunda convicção, que as coisas não iam bem no sector e que o Governo escondia a verdade ao País, especialmente no tocante ao processo negocial do desmantelamento da rota doméstica dos TACV e cedência da mesma, em regime de monopólio, à Binter bem como os meandros da Contratação da Icelandair para Gestão da Rota Internacional dos TACV, preparação do processo de privatização e arranque do Hub do Sal. Tínhamos razão.
Em 2016, 2017 e até Outubro de 2018, o Governo omitiu, consciente e deliberadamente, a verdade ao País. Hoje, apesar da revelação bombástica do Primeiro Ministro, UCS, que não há contrato com a Binter, feita no rescaldo do debate mensal da sessão de Outubro, estamos em condições de afirmar que o Governo continua a não falar a verdade à Nação sobre este dossier. A história repete-se como um verdadeiro drama para o país, para o sector empresarial e para os nossos emigrantes.
É assim, que profundamente convencidos de que as coisas vão de mal a pior no sector dos transportes aéreos e marítimos, o Grupo Parlamentar PAICV decidiu, uma vez mais, pedir o agendamento da interpelação sobre políticas públicas de transportes, aéreos e marítimos, dando assim ao Governo uma oportunidade ímpar de esclarecer a opinião pública sobre matérias importantes e que dizem respeito as politicas públicas para sector dos transportes, o processo de privatizações em curso bem como explicar todo processo negocial com a Binter, Icelandair e agora com a Transinsular.
O sector dos transportes é estratégico para o desenvolvimento de Cabo Verde e das ilhas. Decorridos quase três anos deste Governo, confirma-se aquilo que o PAICV temia e que por diversas vezes chamou a atenção.
A nível dos transportes aéreos:
• O Governo de Ulisses Correia e Silva não conseguiu reestruturar a TACV e mergulhou a companhia num processo de reestruturação pouco claro e intransparente, com prejuízos gravíssimos para o país e para o erário público;
• As ligações domésticas e inter-ilhas foram entregues, após desmantelamento da TACV Doméstica, de forma apressada e atabalhoada, à Binter, em regime de monopólio de facto, sem se acautelar os verdadeiros interesses do país e, mais grave, sem se assinar nenhum contrato que salvaguarde o interesse público;
• Os Cabo-Verdianos vivem dias de angustias com problemas sérios na mobilidade inter-ilhas pois que a Binter foca as suas operações na rentabilidade e com isso reduz os números de voos para ter melhor load factor;
• Temos as Ilhas e o país muito mal servidos, com baixa frequência, tempo excessivo de viagem entre as ilhas, falhas sérias de serviço sobretudo nas épocas altas de verão, dezembro e outras datas significativas para as ilhas;
• Os preços das ligações inter-ilhas chegaram ao limite do suportável, sobretudo depois da empresa, que opera em regime de monopólio, decidiu aplicar em todos os bilhetes a tarifa máxima. Como se não bastasse os preços elevados, a mesma decidiu subir o preço por kg de excesso de bagagem;
• Os nossos emigrantes que já estavam habituados a viajar em ligações diretas, agora são obrigados a fazerem escala na Ilha do Sal, sem a certeza no transporte das suas bagagens pela operadora doméstica (sem custos adicionais);
• Assiste-se a uma pressão ilegítima da operadora sobre o sector regulação;
• O desmantelamento do sector de Manutenção da TACV, construído ao longo de vários anos;
• Eliminação de voos internacionais directos da TACV a partir do Mindelo com consequências nefastas para a população da zona norte do país e sobretudo com impacto negativo no sector empresarial que exporta para Europa;
• Desmantelamento da nossa ligação com a sub-região oeste africana;
• Mergulharam a TACV, que se encontrava e encontra num processo de restruturação, como a empresa mais deficitária do Sector Empresarial Estatal com resultados líquidos, em 2017, na ordem dos 3.6 milhões de contos negativos (3.674.133$00). Em apenas 1 ano (de 2016 para 2017) aumentaram o passivo da empresa em 23 p.p passando para quase 15 milhões de contos (14.788.452$00) passando a representar aproximadamente 9% do PIB. Isto sem contar que no mesmo período (2016-2017) injetaram de forma direta ou indireta mais de 3 milhões (3.162.770$00) nos TACV sem que seja para servir os cabo-verdianos. Este Governo colocou o Risco de Assunção de Passivos Contingentes da TACV em níveis de elevadíssimo Risco;
• O Governo continua a agir na ilegalidade ao não apresentar as contas da empresa para o ano de 2016 e 2017. Tudo para que os Cabo-Verdianos não tenham conhecimento da verdadeira situação da companhia e possam ver que o Governo continua a financiar os TACV e as dívidas acumulam-se dia após dia com uma diferença essencial: sem que haja um serviço doméstico de voos inter-ilhas e transporte de doentes e sem que a rota internacional esteja a servir convenientemente a nossa diáspora com voos reguladores e a partir dos vários aeroportos internacionais do país. Isso sim, configura-se como má gestão e falta de visão estratégica do Governo para um sector crucial para o desenvolvimento do país.
O Governo não entendeu ainda a gravidade problema que nos arranjou ao meter-nos, nas rotas domésticas, num monopólio natural, quando todos os estudos existentes mostravam os ganhos de, no mínimo, um duopólio regulado. Monopólio entregue a uma empresa que sequer tem os aviões no registo nacional. Os aviões da Binter ainda permanecem, hoje, com registos da Binter Canarias.
No Sector dos transportes marítimos inter-ilhas a situação caminha para a mesma situação com o Governo a embaraçar o sector num concurso internacional para concessão do serviço público de ligações inter-ilhas a todos os títulos prejudicial para o sector armador nacional e envoltos em polémicas de favorecimento e falta de transparência na condução de todo o processo.
A experiência recente do caos nos transportes aéreos aumenta as nossas preocupações relativamente à estratégia anunciada para os transportes marítimos. O atual governo, pretende através da concessão única, criar um monopólio natural, em detrimento da concorrência no mercado nacional, isto é, a eliminação dos armadores nacionais.
Não deu qualquer possibilidade ao armador nacional de participar no concurso e acena-lhes com uma contrapartida de reserva de 25% do capital da empresa vencedora.
Trata-se de uma proposta enganosa para os armadores nacionais. Uma total deslealdade para com a classe. Não há um mínimo sinal de transparência, reconhecimento e valorização do nosso empresariado do ramo que vem prestando um serviço útil ao longo de todos estes anos.
Diríamos mesmo que este Governo tem uma péssima conceção do Estado: existe para fazer negócios ou favorecer os negócios de alguns, em áreas que não são essenciais para os cidadãos e para o país. Nas áreas essenciais, simplesmente não consegue acertar o passo. Continua com a mesma lógica da década de 90 em que desmantelou toda a marinha mercante nacional, porque o mercado resolveria. O mercado não resolveu!
Senhor Ministro,
O sector armador nacional tem 14 operadores ativos e que prestam um serviço útil ao país, ligando as ilhas em matéria de transportes de cargas e passageiros, empregando centenas de trabalhadores e por conseguinte garantindo a sustentabilidade de várias famílias, que não teriam outra forma de sobrevivência.
Esses 14 operadores associaram-se e criaram uma única companhia para negociar com o Governo a concessão dos transportes marítimos inter-ilhas e o processo foi iniciado com o Governo anterior, mas este Governo resolveu ignora-los, negando-se a adotar uma politica clara de proteção e de empoderamento desta classe para que continuem a prestar um serviço válido no sector mas, também, tenham condições de acesso ao financiamento para renovação da frota e melhoria da qualidade de serviço. Ao invés disso, pretende o Governo entregar o sector marítimo em regime de monopólio de facto a uma companhia de navegação e logística estrangeira, comprometendo-se a subsidiar o seu défice.
Somos frontalmente contra a este processo e sobretudo da forma pouco transparente como foi conduzido e como foram afastados os armadores nacionais de todo o processo, quando deveriam ser protegidos e apoiados. Tanto mais que existem informações seguras que a empresa vencedora do concurso não reuniu todos os requisitos para ser vencedor. Aproveitamos esta interpelação para, formalmente, solicitar ao Governo, através do Sr. Ministro da Economia Marítima, o dossier do concurso (caderno de encargos e os relatórios das várias fases do concurso).
Senhor Presidente,
Senhor Ministro,
Colegas Deputados,
A situação atual mostra-nos claramente que o Governo falhou na sua politica para o sector dos transportes aéreos e marítimos.
Hoje temos motivos acrescidos de preocupação. Retrocedemos anos em matéria de transportes. Veja a titulo de exemplo o que aconteceu recentemente em matéria de evacuação inter-ilhas de doentes e analisa o risco reputacional do país após as centenas de voos cancelados e milhares de passageiros desprotegidos no recente verão. São provas que as coisas não estão bem!
Como é possível, Sr. Ministro, fazer-se negócios com a Binter para cedência da rota doméstica e de todo o capital intangível do sector, sem se assinar nenhum contrato (pelo menos para que tudo ficasse claro a nível das responsabilidades de uns e de outros). Temos motivos de preocupação porque o Governo, e é lamentável dizê-lo, faz tudo ao arrepio das melhores práticas em matéria da transparência e da legalidade.
Temos motivos de preocupação porque o Governo de Ulisses Correia e Silva ora diz uma coisa e ora diz outra coisa quando não diz uma coisa e faz outra, completamente diferente. Produz discursos evasivos e nega, constantemente, a responder às questões que permitem o cabal esclarecimento dos cabo-verdianos.
Senhor Ministro,
Com esta interpelação, pretendemos, entre outras, que nos esclareça e responda o seguinte:
• Qual o verdadeiro negócio existente entre o Estado de Cabo Verde e a Binter? E com a Icelandair? Existe ou não contrato?
• É verdade que o acordo negocial com Icelandair inclui compra de aviões pelo Governo de CV para entregar a esta companhia?
• Quanto custa, mensalmente, o negocio com a Seven Air?
• Quando é que serão apresentados os relatórios e contas da TACV?
• Qual o valor atual do passivo da TACV? E qual o stock de avales da TACV?
• Quais as medidas que o Governo tem em curso perante as informações de que algumas companhias do grupo Icelandair entraram em falência e o Grupo enfrenta dificuldades?
• Como está o processo de reestruturação e privatizações da TACV?
• Irá ou não o Governo realizar a sua parte do Capital Social da Binter?
• Quais foram os custos resultantes de quase 2 anos de pilotos em terra sem poder voar?
• Que garantias tem o Governo que na próxima época alta a Icelandair não volta a arretar os seus aviões, deixando o país sem conetividade?
• Quando serão divulgados, formalmente, os relatórios das várias fases do concurso de concessão da ligação marítima inter-ilhas?
• Como pensa o Governo proteger os Armadores Nacionais e porquê o Governo não emitiu a carta de conforto solicitado pela Associação Cabo-verdiana dos Armadores da Marinha Mercante (ACAMM) enquanto instrumento ou garantia que assegure aos armadores de cabotagem nacionais a continuidade das suas atividades bem como a realização de futuros investimentos na área?
• Tem-se falado de negócios entre a ASA e a Vinci. O Ministro das Finanças assinou um memorando com a Vinci falando de eventual concessão. Tem-se falado também de acordos com a Icelandair para a concessão do AIAC. Sr. Ministro, o que se passa com a ASA?
• Para terminar: Que destino será dado à CVFF? O Sr. Ministro irá cumprir com a sentença de morte que decretara à CVFF ainda decorria o processo de concurso internacional para concessão dos serviços públicos de transportes marítimos e a CVFF tinha-se qualificado para a fase seguinte?
Praia, 14 de Novembro de 2018
O Vice-Presidente do GP PAICV - Nuias Silva